autoretrato

inserir grandes pedaços de gente em pequeninas linhas é tarefa árdua, mesmo para aqueles bastante certos de si mesmos. Ainda que não seja o caso, gosto de poder recriar este olhar, a começar pelas pernas longas, tortas e rechonchudas, cheias de cicatrizes, memórias de uma vitalidade há muito perdida. Logo percebe-se que nunca fui muito feminina, percorro a tênue linha dos gêneros com um andar errádico, pendendo para os lados. Os olhos por vezes não acompanham o ritmo mental, apesar de escuros e redondos, como uma jabuticaba madura. O cabelo cacheado castanho que muda de cor ao sol, e que é ancestral, ainda que a pele seja branca, emoldura o rosto farto de bochechas. O nariz, redondo graças ao meu pai, e empinado graças à minha mãe, tem narinas que se dilatam ao rir e a chorar com força. Tenho mãos de dedos enormes, porém pouco firmes, que contrastam com pés enraizados no chão, porém pequenos. Dentes amarelados de cigarros e cafés em excesso, com caninos afiados de vampiro, que se arranjam juntinhos em uma enorme boca. Os seios macios e flácidos (não me entenda errado, já aprendi a amá-los reais) cobrem o tórax largo, sobreposto à cintura fina, e o quadril igualmente largo. Bunda, barriga, coxas, braços… absolutamente tudo é roliço. Por vezes, isso se torna um problema, mas no geral me sinto farta e imponente. Começo o texto incerta, sofrendo a cada tentativa de adjetivos que possam me contemplar, mas o termino satisfeita com a melhor versão que já fui de mim. Agora.

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